Um beco com saida

(alley with an exit) 1975

(3:17) Introducao ... e coragem
(3:41) Alerta pescador
(3:58) Nem longe nem perto
(2:07) Ao principio era o verbo
(2:33) Queremos ver tudo diferente
(4:13) Historia da casa vazia
(3:00) Um bocada da vida
(2:06) O tocador
(2:50) O ajuste de contas
(3:11) Final


Alerta pescador

(be careful fisherman ??)

Alerta pescador
aperta-me a mao camarada
esta mao calejada
tem forca maior
com a tua agarrada

tu nao me conheces
noa sabes quem eu sou
mas olha que eu estou
contigo e com esses
que o mundo afastou

meu pai camarada
foi um pescador
heroi vencador
de muita nortada
com sangue e suor

eu sou operario
o que acaso aprendi
mas escuta o que ouvi
que um certo fadario
iguala-me a ti

por tal camarada
te estendo esta mao
tu es o irmao
da minhha jornada
em busca do pao

e mais camarada
ha outra razao
a producao
e toda roubada
pelo mesmo ladrao

o teu cachucho
a tua pescada
e devorada
nas casas de luxo
e tu nao tens nada

da minha oficina
da minha bancada
sai pedra lavrada
da forma mais fina
p'ra quem nao faz nada

e ves camarada
nos somos iguais
nem menos nem mais
que a massa roubada
p'los mescos chacais

mas tu que trabalhas
ainda nao viste
que a forca que existe
nas nossas migalhas
ninguem lhe resiste

ha falta porem
da nossa uniao
mas olha o ladrao
a forca nao tem
nem tem a razao

tu foste soldado
pescador camarada
eu fui obrigado
a andar embarcado
na mesma jangada

precisas somente
juntar-te comigo
que o nosso inimigo
so morto p'la gente
nos poupa o perigo

traz camarada
um remo bem forte
um remo bem forte
e espalhamos a morte
entre esta cambada

eu levo o martelo
e os camponeses
que tragam forquilhas
que traham as foices
que tragam enxadas

travamos os coises
das bestas esfaimadas
os nossos filhos
que sao os soldados
que venham armados

com armas p'ra nos
facamos bem diferente
o mundo onde estamos
se nos trabalhamos
o mundo e da gente



Nem longe nem perto

pois se o cao ainda ferra
nos vamos p'ra guerra
que e justa de certo
p'ra lutar nao e tarde nem cedo
nao ha fracos nem medo
nem longa nem perto

naquela noite
fiquei de atalaia
de boca amarga
ficou Portugal
carrascos d'ontem
e d'hoje da mesma laia
vieram juntos
por detras de um canhao
(quem diz que nos quer
bem e nos quer mai)

e ha quem fale
ja em liberdade
a de dizer
ou a de irmos e virmos
e bem diferente
de uma outra que queremos
que e tar nas maos
aquilo que produzimos

nacionalizam
que manda e o Estado
mas no poleiro
ja estao outros mandoes
so sera nosso
o que nao foi no passado
quando o poder
for dos mais explorados

e ha quem me diga
que a banca e do povo
eu continuo
com os mesmos tostoes
quem nao quer ver
que ver o velho no novo
sem nos mandarmos
nascem outros ladroes

e assim se vai
vivendo aos solucos
conquista ali
e perde acola
ninguem se mexa
a genta trata de tudo
diz o doutor
e o burocrata vem ja

sentam-se assim
a volta da mesa
discutem prendas
que ofertam ao povo
enquanto o povo
aluga e vende pobreza
na bela democracia
a portuguesa


Ao principio era o verbo

ao principio era o verbo
hoje a a verborreia
e entretanto a raccao campeia
ja canta de poleiro
ja desfila na baixa

a reaccao avanca
com uma faca na liga
disfarcada de boa rapariga
deixem-na entrar na danca
que eu tambem sei dancar
maestro... ponha a musica
a tocar

e se a festa der p'ro torto
a gente ca se ageita
quem boa cama faz nela
se deita
que o gumo da palavra
va mesmo ate ao osso
nao queremos mais a campa
no pescoco

ja basta de fascismo
limpemos o pais
amos cortar o mal pela raiz


Queremos ver tudo diferente

queremos ver tudo diferente
daquilo que agora esta
ja se faz gato sapato
da gente que anda por ca
e roda bem a tua saia
que nos vamos a bailar
mas nesta roda nao caia
quem tem muito p'ra lutar

quem lavra a terra somos nos
quem a semaie e lavrou
quem a mondo quem a ceifa
a depois a debulhou
quem comprou estas terras
foi a forca de nos roubar
vamos do campo p'ra cidade
a gente tem de se ajuntar

quem trabalha la p'ras minas
carregando peso de minerios
quem os forja do ferro ao aco
e constroi casas e automoveis
quem comprou estas fabricas
foi a forca de nos roubar
e da cidade para o campo
a gente tem de se ajuntar

e ja se fala em socialismo
a torto e a direito
disfarca bem o fascista
de grande emblema ao peito
se esta cancao nao te agrada
a gente vai acabar
num bom tom que nao enfada
viva a Revolucao Popular



Historia da casa vazia

em noite de quarta-feira
andando eu de viagem
palmilhando caminhos
um mes sem casa nem beira
descansei num valado
com gente sozinha

falavam de coisas antigas
e ficavam calados
sempre que um de nos partia
na noite feita de misterios
trauteavam entao cantigas
sobre uma casa vazia

cinza de sete lares
vem bruxas aos pares
ha festa quem diria
la p'ra casa vazia

quiz saber de noticias
vida morte ou alegria
tristeza o que seria
responderam velhos avisados
em coro de fanados
"apenas a casa vazia"

despedi-me entao e parti
deixando atras um silencio
feito de gestos benzidos
fiz outra longa jornada
com a garganta calada
e uma cancao nos ouvidos

cinza de cete lares
vem bruxas aos pares
ha festa quem diria
la p'ra casa vazia

mais adiante encontrei
dois andarilhos sentados
rindo ou chorando nao sei
estavam como que prostados
chamando a minha atencao
com amuletos na mao

"salva-te agora estrangeiro
desta noite aziaga
compra amuletos senao
perde a vida e o dinheiro
a sorte tambem se paga
quer tu queiras ou nao"

comprei asas de morcego
e uma perninha de ra
para espantar o medo
quando passei a encruzilhada
de susto quase morria
diante aquilo que eu via

casa enorme illuminada
carros de luxe gente emproada
em fidalguia perdida
em beija-maos repenicados
a damas de olhos borrados
pareciam nao ser desta vida

era uma festa maldita
de perucas de gente fina
uns bebiam outros dancavam
outros nadavam na piscina
abracavam-se em gritaria
enuanto a casa rangia

cinza de sete lares
vem bruxas aos pares
ha fest quim diria
la p'ra casa vazia

e junto aquela casa
vi uma velha parada
no cimo da escadaria
e nao paracendo assustada
corri ao topo da escada
seria a casa vazia

respondeu-me a velha que nao
"nunca houve casa vazia
presta la bem atencao
isto e a vida vazia
da camada burguesia
com medo a revolucao"

"e classe degenerada
pela historia condenada
ja ha muito tempo se diziam
e ouva la meu trovador
meu paspalhao meu estupor
ja te estraguei a poesia"

a moral desta historia
a moral desta licao
a moral desta cancao
e que so ha casas vazias
so ha medo e cobardia
com amuletos na mao



Um bocado da vida

hoje vi-te na varanda
da manha muito cedinho
olhos postos noutra banda
sorrias devagarinho
andas-me assim na lembranca
de quem corre e nao se cansa
do teu amor feito em arame
embrulhado em celofane

hoje disse-te au portao
palavras lancadas au vento
liberta o teu coracao
e ocupa mais teu pensamento
andas-me assim na lembranca
de quem luta e nao alcanca
esse bocada da vida
que por ai anda a deriva
hoje vi-te na varanda
de manha muito cedinho



O tocador

onde vais oh tocador
quando tanto falas de amor?
.. vou de abalade p'ro norte
.. e se acaso tiver sorte
.. vou ve-la as margens do Douro
.. com suas botas de couro

e p'ra onde vais tu companheiro
tu que falaste primeiro?
.. vou juntar-me a praca forte
.. tenho balas e espingarda
.. nao tenho medo da morte
.. e bem vermelha a minha farda

que vais fazer companheiro
tens o olhas taocerteiro?
.. eu vou lutar com ardor
.. pela causa do meu povo
.. so da lute nasce amor
.. e nao da gema de um ovo

onde vais oh tocador
ao compasso do tambor?
.. eu vou para onde tu fores
.. pois so os galos-cantores
.. tem a revolucao na garganta
.. quando o povo se alevanta



O ajuste de contas

Vendo minha force de trabalho
eu vende
que raiva que eu tenho
que forca que eu tenho
deixo de ser o que fui
por aquilo que vou sendo
tenho um braco e outro braco
companheiros e um desmonta
vamos ao ajuste de contas!

sete pecas fabrico naquela oficina
sete pecas ao dia moldadas por esta mao
sete pecas suadas forjadas em surdina
100$00 cada uma grita do alto o patrao

700$00 e entao o valor dias sete pecas
acabadas retiradas dos meus dedos ferrugentos
mas se por dia ganho 100 e construo as sete pecas
chego a conclusao que foram roubados seiscentos

este excedente da trabalho que aqui veem
que nos e roubado dia a dia na producao
sucede tambem la nostra campos aos camponeses
trabalhando mais do que lhes paga o patrao

engrossam seus lucros assim mais de mil vezes
compram depois toda aquela maquinaria
dizem: "isto e nosso" - num ar todo matreiro
quando tudo afinal nos pertence por inteiro

e sobre nossos ombros erguaram um bastiao
fortaleze antiga onde moram os chacais
ali vive o vicio, o vigarista e o aldrabao
mas ja cai de podre nao aguenta muito mais

basta pois de choros sofrimento e hesitacao
acertemos antes o passo companheiros
assaltamos de uma vez aquela podre fortaleza
e ajustamos contas com um soco bem certeiro



Final

mais de mil leguas
eu andei
fiz quase todo
e o que nao sei
quem nos rouba
tem forma de balao
a frente
mas eu tenho na mao
o alfinete

quanto mais perco
eu mais ganho
esta raiva surda
p'ra estoirar
farto de lamber
o fundo ao prato
sapato
vou dar um pontape
para isto acabar
vou dar uma volta
a isto vou
que a force
nunca se esgotou