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A Preto e Branco

1989

(3:35) ERA NO TEMPO DOS TAMARINDOS
(3:08) PICADA DE MARIMBONDO
(3:25) APENAS
(3:20) POEMA DA FARRA
(5:07) NAMORO
(1:54) Praia da samba
(4:18) CASTIGO P´RÓ COMBOIO MALANDRO
(6:07) FLAGELADOS DO VENTO LESTE
(1:46) CARTA DUM CONTRATADO
(2:46) XICUEMBO
(2:51) QUANDO EU MORRER




ERA NO TEMPO DOS TAMARINDOS

Poema: Ernesto Lara Filho
Música: Fausto Bordalo Dias

Era no tempo dos tamarindos
Meu pai sempre me acordava pela manhã
E ia cantando para o quintal
Enquanto fazia a barba
Debaixo do caramanchão
Da buganvília cor-de-violeta.

Era no tempo dos tamarindos
Zenza Niala vinha entrando na cancela
À cabeça a quinda carregadinha de fruta
Sempre cumprimentava minha mãe:
-“Sápêrê, Dona!”
Minha mãe respondia:
-“Olá”
Ela agachava no chão
Destapava a quinda
E por sob as folhas frescas de mamoeiro
Mostrava papaias e pitangas saborosas

Às vezes trazia fruta-pinha e sápe-sápe

Era sempre o mesmo diálogo
Minha mãe:”Chingamin?”
Zenza Niala no chão sorria
Mostrava os dentes de marfim
E respondia
-“Meia-cinco, sinhóra”

Era no tempo dos tamarindos.

E havia “bigodes” e “bicos-de-lacre”
Cantando nas acácias do quintal.

Depois Zenza Niala ia embora,
As ancas baloiçando
A quinda na cabeça

Era no tempo dos tamarindos



PICADA DE MARIMBONDO

Poema: Ernesto Lara Filho
Música: Fausto Bordalo Dias

Para o Pila – Companheiro de infância

Junto da mandioqueira
Perto do muro de adobe
Vi surgir um marimbondo

Vinha zunindo
Cazuza!
Vinha zunindo
Cazuza!

Era uma tarde em Janeiro
Tinha flores nas acácias
Tinha abelhas nos jardins
E vento nas casuarinas,
Quando vi o marimbondo
Vinha voando e zunindo
Vinha zunindo e voando!

Cazuza!
Marimbondo
Mordeu tua filha no olho!

Cazuza!
Marimbondo
Foi branco quem inventou…




APENAS

Poema: José Craveirinha
Música: Fausto Bordalo Dias

Amor
Não me dês tanto, não.

Uma vez ou outra
Prende-me nos teus braços
E envolve-me na carícia morena e loira do teu desejo

Uma vez ou outra
E esquecerei tudo
Até as manhãs em que nos vêm buscar
E não sabemos se voltamos
E se somos homens ou coisas
E se conhecemos o sentido natural do riso
E se é verdade ou mentira
Os filhos a chamar
E a casa
E a mulher de olhos espantados de medo
Nem um assomo de remorso despertando

Amor
Não me dês tanto, não.

Só uma vez ou outra
Prende-me nos teus braços em cruz
E envolve-me na carícia morena e loira do teu amor
E na certeza de paz do teu carinho.

Só uma vez outra…

Só uma vez ou outra
Prende-me nos teus braços
Amor!


POEMA DA FARRA

Poema: Mário António
Música: Fausto Bordalo Dias

Quando li Jubiabá
Me cri António Balduíno.
Meu primo que nunca o leu
Ficou Zeca Camarão.

Eh Zeca!

Vamos os dois numa chunga
Vamos farrar toda a noite
Vamos levar duas moças
Para a praia da Rotunda!
Zeca me ensina o caminho:
Sou António Balduíno.

E fomos farrar por aí,
Camarão na minha frente,
Nem verdiano se mete:
Na frente Zé Camarão,
Balduíno vai no trás.

Que moça levou meu primo!
Vai remexendo no samba
Que nem a negra Rosenda;
Eu praqui olhando só!

Que moça que ele levou!
Cabrita que vira os olhos
Meu primo, rei do musseque:
Eu praqui olhando só!

Meu primo tá segredando:
Nossa Senhora da Ilha
Ou que outra feiticeira?
A moça o acompanhando.

Zé camarão a levou:
E eu para aqui a secar.
E eu para aqui a secar.


NAMORO

Poema: Viriato da Cruz
Música: Fausto Bordalo Dias

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
E com letra bonita eu disse que ela tinha
Um sorrir luminoso tão quente e gaiato
Como o sol de Novembro brincando de artista nas acácias floridas
Espalhando diamantes na fímbria do mar
E dando calor ao sumo das mangas
Sua pele macia – era sumaúma…
Sua pele macia, da cor do jambo,
Cheirando a rosas
Sua pele macia guardava as doçuras do corpo rijo
Tão rijo e tão doce – como o maboque…
Seus seios laranjas – laranjas do Loje
Seus dentes… - marfim…
Mandei-lhe essa carta
E ela disse que não.

Mandei-lhe um cartão
Que o amigo Maninho tipografou:
“Por ti sofre o meu coração”
Num canto – SIM, noutro canto – NÃO
E ela ao canto do não dobrou

Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
Pedindo e rogando de joelhos no chão
Pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigénia,
Me desse a ventura do seu namoro…
E ela disse que não

Levei à avó Chica, quimbanda de fama
A areia da marca que o seu pé deixou
Para que fizesse um feitiço forte e seguro
Que nela nascesse um amor como o meu…
E o feitiço falhou.

Esperei-a de tarde, à porta da fábrica,
Ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
Paguei-lhe doces na calçada da Missão,
Ficámos num banco do largo da Estátua
Afaguei-lhe as mãos…
Falei-lhe de amor… e ela disse que não.

Andei barbudo, sujo e descalço,
Como um mona-ngamba
Procuraram por mim
"-Não viu...(ai, não viu...?) não viu Benjamim?"
E perdido me deram no morro da Samba.

Para me distrair levaram-me ao baile do Sô Januário
Mas ela lá estava num canto a rir
Contando o meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário.

Tocaram uma rumba - dancei com ela
E num passo maluco voámos na sala
Qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: "Aí Benjamim !"
Olhei-a nos olhos - sorriu para mim
pedi-lhe um beijo - e ela disse que sim.


Praia da samba




CASTIGO P´RÓ COMBOIO MALANDRO

Poema: António Jacinto
Música: Fausto Bordalo Dias

Esse comboio malandro
Passa
Passa sempre com a força dele
Ué ué ué
Hii hii hii
Te-quem-tem te-que-tem te-quem-tem
O comboio malandro
Passa

Nas janelas muita gente
Ai bo viaje
Adeujo homéé
N'ganas bonitas
Quitandeiras de lenço encarnado
Levam cana no Luanda pra vender

Hii hii hii

Aquele vagon de grades tem bois
Múu múu múu
Tem outro
Igual como este dos bois
Leva gente,
Muita gente como eu
Cheio de poeira
Gente triste como os bois
Gente que vai no contrato

Tem bois que morre no viaje
Mas o preto não morre
Canta como é criança
"Mulonde iá késsua uádibalé uádibalé uádibalé...'"

Esse comboio malandro
Sozinho na estrada de ferro
Passa