Para Além das Cordilheiras

(Beyond the Ridges) 1987

(4:04) Lusitana
(2:58) Toda a Europa a proa
(4:55) Foi por ela
(3:31) Prego a fundo
(3:32) Ali esta a cidade
(3:01) Porque me olhas assim
(4:08) Eu ca sou do "midi"
(2:35) Europa querida Europa
(3:23) De ocidente a oriente


Lusitana

Letra e Música: Fausto Bordalo Dias

doce e salgada
ó minha amada
ó minha ideia
faz-me grego e romano
tu gingas à africano
como a sereia
ó bailarina
ó columbina
és a nossa predilecta
de prosadores e poetas
dos visionários
quem te vê ama de vez
nómadas e sedentários
ó pátria lusa
ó minha musa
o teu génio é português
doce e salgada
ó minha amada
das epopeias
tu és toda em latim
e a mais mulata sim
das europeias
ó bailarina
ó columbina
do profano matrimónio
“nas andanças do demónio”
bela e roliça
dança a chula requebrada
a minha canção é mestiça
ó pátria lusa
ó minha musa
o teu génio é português

teu génio meigo e profundo
é deste tamanho do mundo



Toda a Europa a proa

Letra e Música: Fausto Bordalo Dias

se o mar se esquece
o meu automóvel voa
e espera por mim
toda a Europa à proa
brilha auto-estrada ao fundo
em néon
leva-me a ver o mundo
quem sabe a cópia a cor
de outro Adamastor
e eu seja o desejado
das loiras dos olhos azulados
o quinto império és tu
doce pecado
que ao autonautas sabem
das ninfas entre as flores
e eu também
vou pela estrada
multiplicando as cores

cuida meu carro a curva
cuida minha sorte
quando a montanha
já se desventra a norte
agora a noite
toda em granito
cinzela o espaço infinito
quem sabe ao longe a luz
de outra Vera Cruz
e se não mudou meu fado
muda agora e pronto
está mudado
deixei meu estuário
está deixado
atravessando as serras
de viriatos e flores
eu também
vou pela estrada
multiplicando as cores

dizem-me adeus
cruzando os céus
além
Vénus e as Graças
coisas que o mundo tem
como se fossem luas
levam saudades tuas
se de todas as Graças nuas
só tu meu bem…

tu ó sensual escultura
ó morena cultura
de olhos peregrinos
dos campos de azeite
e da cor tinta dos vinhos
que se derrama
vira a norte e veleja
sobre as cordilheiras
num mar de trigo e de cerveja
quem sabe eu seja
outra vez navegante
de incandescentes avenidas
que se deslumbra
enquanto a cidade grande
espera longitroante
na plena força dos motores
vou pela estrada
multiplicando as cores



Foi por ela

Letra e Música: Fausto Bordalo Dias

foi por ela que amanhã me vou embora
ontem mesmo hoje e sempre ainda agora
sempre o mesmo em frente ao mar também me cansa
diz Madrid Paris Bruxelas quem me alcança
em Lisboa fica o Tejo a ver navios
dos rossios de guitarras à janela
foi por ela que eu já danço a valsa em pontas
que eu passei das minhas contas
foi por ela

foi por ela que me enfeito de agasalhos
em vez daquela manga curta colorida
se vais sair minha nação nos cabeçalhos
ainda a tiritar de frio acometida
mas o calor que era dantes também farta
e esvai-se o tropical sentido na lapela
foi por ela que eu vesti fato e gravata
que o sol até nem me fez falta
foi por ela

foi por ela que eu passo por coisas graves
e passei passando as passas dos algarves
com tanto santo milagreiro todo o ano
foi por milagre que eu até nasci profano
e venho assim como um tritão subindo os rios
que dão forma como um deus ao rosto dela
foi por ela que deixei de ser quem era
sem saber o que me espera
foi por ela

foi por ela que amanhã me vou embora
ontem mesmo hoje e sempre ainda agora
sempre o mesmo em frente ao mar também me cansa
diz Paris Berlim Bruxelas quem me alcança
em Lisboa fica o Tejo a ver navios
dos rossios de guitarras à janela
foi por ela que eu já danço a valsa em pontas
que eu passei das minhas contas
foi por ela



Prego a fundo

Letra e Música: Fausto Bordalo Dias

vamos na mecha
como uma flecha
passando as brechas
desta zona temperada
pelo gelo p´la geada
em vez de trompas e clangores
roncam motores
p´los bojadores
os cabos são de alta tensão
aço cimento e alcatrão
os reactores
não há fronteira leste ou poente
na travessia
meu continente
ai como eu ia
Santa Maria

sobem calores
dos radiadores
crescem clamores
de cilindros e “ pistons “
matracando em semitons
os cavalos as cadelas
batem bielas
estalam panelas
lança uns grunhidos a cambota
toda a engrenagem cambalhota
pelas janelas
não há fronteira leste ou poente
na travessia
meu continente
ai como eu ia
Santa Maria

prego a fundo prego a fundo
quase a rasar o azul profundo
são granitos
céus infinitos
quase a passar para outro mundo
prego a fundo

faltam-me os freios
os servo-freios
nestes anseios
saltam as válvulas
vapores
da cabeça do motor
e eu já quase nada via
olha a quantia
da alcoolemia
aos solavancos da nortada
foi gloriosa a minha entrada
um destes dias
não há fronteira leste ou poente
na travessia
meu continente
ai como eu ia
Santa Maria

prego a fundo prego a fundo
quase a rasar o azul profundo
são granitos céus infinitos
quase a passar para outro mundo
prego a fundo



Ali esta a cidade

Letra e Música: Fausto Bordalo Dias

ali está a cidade
trémulos olhos da noite
toda em cimento se ergue
à tona dos desperdícios
sob um arco luminoso
como um monstro incandescente
faz-se de bela deitada
espapaçada na lama

ali está a cidade
rosto de sonos inquietos
estremunhada nas sombras
em contra luz rarefeita
finge-se um anjo da guarda
que se espreguiça felino
por fora assenta o colosso
em carne e osso por dentro

mas sobretudo a cidade
é um som
toca uma música boa
p’ra que eu me esqueça da alma ausente
que se perdeu pelas ruas
que eu não me perca também
ali está a cidade…

ali está a cidade
mão de mil dedos acessos
que acariciam diáfanos
o corpo dos inocentes
abre perversa o ragaço
à imagem de um paraíso
e aconchegou-se mais bela
e abandonei-me por ela



Porque me olhas assim

Letra e Música: Fausto Bordalo Dias

diz-me agora o teu nome
se já dissemos que sim
pelo olhar que demora
porque me olhas assim
porque me rondas assim

toda a luz da avenida
se desdobra em paixão
magias de druida
p’lo teu toque de mão
soam ventos amenos
p’los mares morenos
do meu coração

espelhando as vitrinas
da cidade sem fim
tu surgiste divina
porque me abeiras assim
porque me tocas assim
e trocámos pendentes
velhas palavras tontas
com sotaque diferentes
nossa prosa está pronta
dobrando esquinas e gretas
p’lo caminho das letras
que tudo o resto não conta

e lá fomos audazes
por passeios tardios
vadiando o asfalto
cruzando outras pontes
de mares que são rios
e num bar fora de horas
se eu chorar perdoa
ó meu bem é que eu canto
por dentro sonhando
que estou em Lisboa

dizes-me então que sou teu
que tu és toda p’ra mim
que me pões no apogeu
porque me abraças assim
porque me beijas assim

por esta noite adiante
se tu me pedes enfim
num céu de anúncios brilhantes
vamos casar em Berlim
à luz vã dos faróis
são de seda os lençóis
porque me amas assim



Eu ca sou do "midi"

Letra e Música: Fausto Bordalo Dias

como tu és loira
eu sou muito moreno
como és mexediça
eu sou mesmo sereno
tens um ar que corta corações alados
meu ser apaixonado
insiste todavia
que hei-de eu fazer da minha idiossincrasia

tu és muito fria
eu cá sou muito quente
tu és quase triste
eu sou quase indecente
persiste a volúpia na latinidade
esta sensualidade
no grau superlativo
mesmo do género idílico e contemplativo
sou um militante activo
e queres ser minha lira
tal qual és…
mentira

como és tão calada
eu sou tão algarvio
como és civilizada
eu sou mesmo gentio
teu estilo derrama tecnologias
mas não tem a poesia
que esta emoção encerra
também vos falta o que nos sobra lá na terra

tu és muito ao norte
eu cá sou do “Midi”
tu és quase distante
e eu quase te esqueci
o teu modo esguio gótico ogival
o meu sentimental
bucólico e idealista
prometem terramotos trovões e faíscas
ó alma renascentista
p’ra além deste chinfrim
que mais queres tu de mim
p’ra além desta cantiga
a quanto tu me obrigas



Europa querida Europa

Letra e Música: Fausto Bordalo Dias

Europa nascida na Ásia profunda
ó filha do rei fenício Agenor
que Zeus entranhado no corpo de um touro
levou-te p'ra Creta cativo de amor
Europa é de Homero
de helénicas formas
do fórum romano e da cruz
de tantas nações
ariana e semita
ventre das descobertas
da luz
do diverso sistema do modo diferente
da era da guerra e agora da paz
és assim querida Europa

vem que eu te quero toda do mar à montanha
vem que eu quero muito mais bela que o mar
vem vencendo cizânias que os povos sem feudos
sempre se amaram brilhantes em todo o lugar
o teu chão não é traste
de meros mercados
de pauta aduaneira
ou cifrão
é um terrunho de almas
uma ideia
um desejo
de uma nova maneira
em fusão
desfazendo complexos de mapas cor-de-rosa
sem a má consciência no verso e na prosa
só por ti querida Europa

para que sejas tu mesma a decidir o teu uso
para que sejas tu mesma ainda mais natural
não me toques o "beat" à americana
que esse já nós conhecemos na versão original
aguenta-te firme
livre de imitações
espera só mais um pouco
já vai
o que resta e o que sobra
aquela mesma saudade
toda a imaginação
ainda mais
não sentes um vago um suave cheiro a sardinhas
a algazarra nas ruas e o troar dos tambores
somos nós querida Europa



De ocidente a oriente

Letra e Música: Fausto Bordalo Dias

suavemente levados
sob uma abóbada azul
caminhámos lentamente
p’lo norte ocidente e sul
para ver o sol nascer
e a lua no seu Outono
toda a harmonia é perfeita
nos quatro cantos oblongos
levados p’las mãos de alguém
p’lo sul ocidente e norte
meu bem
Vénus enfeita o universo
enfeita-o com toda a beleza
Hércules guarda-o sempre
com toda a força e firmeza
e junto a Minerva repousa
a luz da sabedoria
que letra a letra cinzela
a doce palavra utopia
que de este a este provém
como se fosse amanhã
meu bem

para lá das cordilheiras
nasce o sol de outra nascente
p’lo norte ocidente e sul
chegámos junto ao oriente
e como um segredo profundo
que o saber guarda e segreda
o dia ergueu-se sublime
luz das entranhas da pedra
e vieram todos os sonhos
todas as raças e credos
chegaram todos iguais
mas sendo isto mistério
chegou-se a noite também
chegou tão calma e serena
que o mundo já dorme em paz
meu bem