Histórias de Viajeiros

1979: "Stories of Travellers"

(4:29) Peregrinacoes
(3:35) Ja fosta linda, Rosa!
(3:40) Roupa velha
(4:30) Eu tenho fraquinho por ti
(3:17) A nao catrineta
(4:32) Por falar em tempo
(3:00) Eu fui ver ou campo
(3:40) Judite!
(2:29) Quase peninsular

Credits & remarks


Peregrinacoes

Letra e Música: Fausto
(inspirado na obra “Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto)
Pilgrims
Lyrics & Music: Fausto
(Inspired in “Peregrinações” by Fernão Mendes Pinto, a portuguese adventurer and writer: c.1510 -1583)

I
Tristemente embarcados
com rumo sem rota
velejando no ar
com grande medo levados
em formosa frota
de casco a abanar
rebentam as ondas gigantes
coisas alucinantes
quebra-mar quebra-mar
uma prece na garganta
Nossa Senhora Santa
almiranta
a vomitar a vomitar
procurando novos mercados
em nome de Deus
vai el-rei engordar
como por nossos pecados
desatinados às cegas
no escuro do mar
salta um mostrengo barbudo
c’o peito peludo
a arrotar a arrotar
nós senhores do barlavento
ao leme gemendo
tremendo
ai! quem soubera nadar

E com a pressa que podíamos
nós fizemos de volta
esquecendo mercês
se à vista daquilo que víamos
nos tremiam as carnes
nos dava a gaguez
ao serviço de Deus Nosso Senhor
regressa assim teu esposo
neste vento bonançoso
meu lindo e ditoso amor
confiado nesta promessa
enganado nesta esperança

II
Mas o avarento agiota
depressa nos manda
de novo embarcar
banqueteados com muitos açoites
ao longo da costa
quem se há-de salvar
tragam pimenta
a fazenda
a prata sangrenta
a rezar a rezar
metam o turco a tormento
fede a Mafamede
que fale
onde fica o bazar
e assim fomos de atropelo
sobre gente que não tinha
em boa conta
o nosso apogeu
nos merecia a latina cólera
por zelo
da honra de Deus
vivos lançados ao mar
com um grande penedo
ao pescoço
a afundar
ouvem-se as gritas
apupos
dos turcos malucos
eunucos
a atacar a atacar

E foram tantas as pedras
os zargunchos as lanças
e as chuças
de arremesso sobre nós
que fugíamos assaz
com a pressa que podíamos
depois de tanto pelejar
ao serviçp de El-Rei
nosso Senhor
regressa assim teu esposo
neste vento bonançoso
meu lindo e ditoso amor
confiado nesta promessa
enganado nesta esperança

III
Foi-se o tempo passando
da nau ao paquete
lá vai Portugal
leva gente do arado
peões e joguetes
em calção colonial
negro trabalha canalha
que a tua mortalha
é este ultramar
colhe matumbo o café
que a gente tem fé
chimpanzé
de lucrar e lucrar
fomos misturando guitarras
ao som do batuque
bebendo maruvo
e num sentimento bizarro
casando com a negra
depois de viúvo
estoira uma força gigante
vermelha negra vibrante
a lutar a queimar
liberta um povo oprimido
e perde o diamante
purgante
quem nos andou a mandar
e desmanchámos as casas
tornámos de volta
pobres numa muleta
balbuciando estranhas palavras
aka! que maka!!
acabou-se a teta ao serviço de grandes senhores
regressa de vez teu esposo
neste vento bonançoso
meu lindo e ditoso amor
confiado nesta promessa
enganado nesta esperança


Ja fosta linda, Rosa!

Letra e Música: Fausto

Olá Rosa como vais
faz tempo que te não vejo
desde Alfama aos Olivais
dá-me um abraço e um beijo
(olá Rosa como vais)

Com o passo controlado
e o gesto distraído
vais comprando por ouvido
um “hambúrguer” que sabe a pescado
um pudim a esparregado
e o chouriço a coisas mais
quando o esgoto dá ao cais
faz enjoar de repente
anda aí gente doente
olá Rosa como vais

Tens os olhos consumidos
num anúncio de auto-estrada
e sabem-me a laranjada
os teus lábios percorridos
por ácidos e anidridos
dos produtos de sobejo
quem te fez esse desejo
em conserva e congelado
oh Rosa tens mau olhado
faz tempo que te não vejo

Já foste linda Rosa
agora já não o és
tu tens da cabeça aos pés
uma estranha simbiose
de amargura e glicose
arranha-céus de capitais
vão-se acabando arraiais
já os tascos estão fechados
só vejo supermercados
desde Alfama aos Olivais

Canta uma canção catita
não editada em cassete
nem daquele chato do Fausto
Pappeti
faz uma cara bonita
tu és a minha favorita
por isso vou a tua
com o coração em brasa
mas não me dês pasta de queijo
nem sopinhas enlatadas
nem pescadas congeladas
dá-me um abraço e um beijo


Roupa velha

Letra e Música: Fausto

Rapariguinha
cose a tua saia
velha de cambraia
que outra não podes comprar baixa a bainha
rasga o pé-de-meia
quando é magra a ceia
quem nos há-de aguentar
oh bonitinha

A que preço está o peixe
na corrida
a xaputa já é truta
promovida
puxa da massa apalpa a fruta
insecticida
fez a pileca da vitela
uma investida
e a salsicha “isidora”
é alheira de Mirandela

A que preço está a couve
e o grão-de-bico
bacalhau quase não há
deu-lhe o fanico
tenho prisão de ventre oh pá?
eu já te explico
o feijão-frade subiu ao céu
vende o penico
se não há grelos no mercado
há bons nabos no hemiciclo

Guarda a roupa velha
que sobra do almoço
dá o braço à Maria
ao Manel e ao Joaquim
não vás devagarinho
faz da praça um alvoroço
leva-me contigo
ai!! não te esqueças de mim
rapariguinha
cose a tua saia
velha de cambraia
que outra não podes comprar
baixa a bainha
rasga o pé-de-meia
quando é magra a ceia
quem nos há-de aguentar
oh bonitinha

A que preço está o vinho
nessa pipa
arde o preço da aguardente
queima a tripa
a água-pé é um detergente
só constipa
já não gosto da cerveja
dessa tipa
e a jeropiga a martelo
é servida em bandeja

A que preço está a casa
nessa esquina
não se aluga só se vende
é uma mina
quem a vende tem juros
lucros
alucina
quem não tem casa inventa
imagina
sonha ao relento é multado
mora em barraca clandestina

Guarda a roupa velha
que sobra do almoço
dá o braço à Maria
ao Manel e ao Joaquim
(…)

Como vai a nossa vida
de chinelo
pelo custo não é festa
é um duelo
o cabaz da fome é caro
magricela
mais barato é o discurso
tagarela
nada diz nada acrescenta
nem mexe o fundo à panela


Eu tenho fraquinho por ti

Letra e Música: Fausto

Eu tenho um fraquinho por ti,
tu não me dás atenção,
tu não me passas cartão
quando me ponho a teu lado.
Tremo nervoso de agrado
e meto os pés pelas mãos,
tu vais gozando um bocado
a beber vinho tostão;
- eu com o discurso engasgado -
fico a um canto, que arrelia,
de toda a cervejaria
onde vais rasgar a noite.
Se te olho com ternura,
olhas-me do alto da burra
que mais parece um açoite;
é um susto, um arrepio,
que me malha em ferro frio!
Eu tenho um fraquinho por ti,
que me vai de lés a lés,
tu dás-me sempre com os pés
quando me atiro enamorado.
Num estilo desajeitado,
disfarço em bagaço e café,
tu fumas o teu cruzado
e fazes troça, pois é;
- já tenho o caldo entornado! -
esqueces-me da noite pró dia,
em alegre companhia
de batidas e rodadas.
Tu ficas nas sete quintas,
marimbas, estás-te nas tintas
p´ra que eu ande às três pancadas;
basta um toque sedutor,
eu cá sou um pinga-amor!
Eu tenho um fraquinho por ti,
que me abrasa o coração,
quase me arrasa a razão
a tua risada rasteira.
Deixa-me de rastos à beira
do enfarte, da congestão
- encharco-me em chá de cidreira -
mofas de mim, atiras-te ao chão;
zombando à tua maneira!
lá fazes a despedida
ao grupo que vai de saída,
dos amigos da Trindade.
Mas no fim da noite,
à noitinha, acabas triste, sozinha
à procura de amizade
e, como é costume teu
chamas o parvo que sou eu!
afino uma voz de tenor,
ensaio um ar duro de macho,
quando estás na mó de baixo
quero ver-te arrependida!
mas numa manobra atrevida,
rufia, muito mansinha,
dás-me um beijo e uma turrinha
que me põe num molho, num cacho
- estremeço com pele de galinha! -
e gosto de ti, trapaceira,
da tua piada certeira,
do teu aparte final;
do teu jeito irreverente
do teu aspecto contente
do teu modo bestial.
Noutra palavra mais quente,
eu tenho um fraquinho por ti!


A nao catrineta

(Versão de Lisboa) Letra: Popular (Cancioneiro de Garrett), Música: Fausto

Lá vem a Nau Catrineta
que tem muito que contar!
ouvide agora, senhores,
uma história de pasmar.

Passava mais de ano e dia
que iam na volta do mar
já não tinham que comer,
já não tinham que manjar.

Deitaram sola de molho
para o outro dia jantar;
mas a sola era tão rija,
que a não puderam tragar.

Deitam sortes à ventura
qual se havia de matar;
logo foi cair a sorte
no capitão-general.

- "Sobe, sobe, marujinho,
àquele mastro real,
vê se vês terras de Espanha,
as praias de Portugal!"

- "não vejo terras de Espanha,
nem praias de Portugal;
vejo sete espadas nuas
que estão para te matar."

- "acima, acima, gajeiro,
acima ao tope real!
olha se enxergas Espanha,
areias de Portugal!"

- "Alvíssaras Capitão,
meu capitão-general!
já vejo terras de Espanha,
Areias de Portugal.
Mais enxergo três meninas
debaixo de um laranjal:
uma sentada a coser,
outra na roca a fiar,
a mais formosa de todas
está no meio a chorar."

- "todas três são minhas filhas.
Oh! quem mas dera abraçar
a mais formosa de todas
contigo a hei-de casar."

- "A vossa filha não quero,
que vos custou a criar."

- "Dar-te-ei tanto dinheiro
que o não possas contar."

- "Não quero o vosso dinheiro
pois vos custou a ganhar."

- "Dou-te o meu cavalo branco
que nunca houve outro igual."

- "Guardai o vosso cavalo,
que vos custou a ensinar."

- "Que queres tu meu gajeiro
que alvíssaras te hei-de eu dar?"
- "Eu quero a Nau Catrineta,
para nela navegar."

- "A Nau Catrineta amigo,
É de el-rei de Portugal
pede-a tu a el-rei, gajeiro,
que ta não pode negar."


Por falar em tempo

Letra e Música: Fausto

O tempo tem lá dentro uma espiral
uma espiral que se chama história
e que num andar natural
e por força de vontade
resolveu ter um capricho
chamado liberdade
tão material
como qualquer planeta
num constante movimento
em harmonia universal

A história tem lá dentro um mecanismo
habitado por homens tão diferentes
e que me perdoem o aforismo
se os mais pobres da nação
resolveram ter um desejo
chamado revolução
acto imortal
de quem torce o rumo à vida
arrasando baionetas
na direcção sideral

Em todo o espaço-tempo percorrido
se encontra a inteligência criadora
e que no corpo do oprimido
forja a ideia e o canhão
contra o tirano e o ludíbrio
também chamado traição
é mandarete
“no tiroteio de banquetes”
onde se enfeitam burlões
“com discursos e foguetes”

E eu a querer-te cantar
com afecto e sentimento
a harmonia em tom menor
num compasso mais lento
mas o amargo vem à boca
vingador
como disse o escritor
“isto dá vontade de morrer”
se eles te matam atam
a gente luta labuta
e até apetece viver

Quando existe coragem à mão cheia
recordo a Maria da Fonte
ainda mais a Patuleia
que num passo popular
conquistou vale e montanha
para se perder no mar
numa traição
de tribunos setembristas
que da revolta venderam
a alma e o coração

Se a história é longa e nunca se repete
tem pelo menos algo semelhante
e à consciência é que compete
saber quantos “liberais”
entram a matar Abril
tal qual ontem os Cabrais
são rabanetes
de ceias à americana
com a liberdade a juros
custeando beberetes

E eu a querer-te cantar
(…)


Eu fui ver ou campo

Letra e Música: Fausto

eu fui ver o campo
gostei de lá estar
a gente baloiça
é próprio do canto
ouvindo cantar
o Joaquim da Loiça
eu fui ver o campo

fica muito bem
aquele girassol
o cuco a perdiz
o pirilampo também
mais o caracol
que belo matiz
fica muito bem

não tem harmonia
os jipes armados
arames farpados
guardas de vigia
mil cães acirrados
em campos dourados
não tem harmonia

a terra é lavrada
a casa é caiada
gostamos de a ver
menina prendada
tão linda e cuidada
como és tu mulher
a terra é lavrada

a golpes de espada
nunca foi traçada
gostamos de a ter
juntinha abraçada
ao vento beijada
pois antes morrer
a golpes de espada

o campo tem homens
mulheres e trigo
arados tractores
que lindas paisagens
pardais papa-figos
p’ra tantos amores
o campo tem homens

tem gente valente
compadres de enxada
com muita perícia
se lança a semente
e é dura a jornada
p’ra tanto polícia
tem gente valente


Judite!

Letra e Música: Fausto

Judite!
recordas-me a outra…
a outra que já foi embora,
desvairada no meio da noite
febril,
correndo pela cidade.
Persegues meus passos vadios
no ardente ciúme
nos amantes traídos;
espreitas o fundo da escada,
a entrada da porta,
no escuro das ruas!
procuras saber o segredo
de novos amigos,
de outros confidentes,
vigias-me o sono tão leve
e sacodes-me os ombros
no melhor do sonho!
apalpas em vão os meus bolsos
tu cheiras-me o corpo
apertas comigo;
revistas as minhas gavetas,
armas-te em protectora
da santa família!
disfarças por todos os lados,
nos salões, nos bares,
andas às escondidas,
mas deixas por todos os cantos
o perfume rosqueiro
da mundana chatice!
Judite!
recordas-me a outra…
recordas-me a outra senhora,
tu lembras-me a louca da velha,
Judite!
às voltas pela cidade.
Sorris como os apaixonados,
na falsa clarividência
do chato abstémio;
esperas, paciente, no tempo,
pairando no voo
terrível da harpia!
percorres na mecha a distância,
herdaste do clã
as carros artilhados,
e escutas na bisbilhotice
a conversa dos outros
que não te conhecem!
tu podes levar-me o que queiras
tu sabes qual é
o meu código postal,
mais tarde acertamos as contas
zelosa Judite!
larga-me da mão!
Judite!
recordas-me a outra…
do tempo da outra senhora,
tu lembras-me a louca da bruxa
Judite!
rondando a minha cidade!


Quase peninsular

Letra : Luís Pastor (*3)/Fausto/Vitorino (*5); Música: Fausto

Madrid ai sim ai sim
às sete da tarde é melhor
Machado e Lorca em toda a parte
Alcalá que linda está

Morte de toiros de Inverno
anarquistas sem vintém
nos Gallegos comes bem
Luís Candelas tem um perro

“Águas passadas
não movem moinhos”
Vallecas à cunha
e a fome nos niños

Nas margens do Rio Minho
bebemos vinho ribeiro
damos bicos às rapazzas
como D.Juan o mentireiro

Ibérica dos meus amores
Lisboa espera-te no Tejo
com flamenco guitarradas
pandeiradas num festejo

“Águas passadas
não movem moinhos”
só as torrentes
abrem caminhos


Credits & remarks

thanks to Jorge Duarte for providing lyrics & links

Colaboração (muito) especial dos ((very) special collaboration of):
Trovante (*1): Cavaquinho (*2), Viola Braguesa, Bandolim, Charamela (kind of clarinet), Acordeão, Piano, Percussões, e Coros;
Luís Pastor (*3): voz em “Quase Peninsular” (voice in)

Ficha Técnica - Credits
António Chainho: Guitarra Portuguesa ( Port. Guitar)
Zé Eduardo: Viola Baixo (Bass Guitar)
Pintinhas: Percussões e assistiu na produção (Percussion and production assistence)
Carlos Meses:Harmónica (Harmonic)
José António: Harmónica Baixo ( Bass Harmonic)
Rui Cardoso: Flauta (Flute)
Correia Martins: Violino ( Violin)
Carlos Guerreiro: Viola Braguesa (*4)
Paula Marques Antunes e Eugénia Melo e Castro (*6) : Coros em “ Quase Peninsular”
Mestre Paulinho das Garotas: Viola em “Por falar em tempo”
Fausto: Viola

  • (*1): about Trovante: www.simba.web.pt (some lyrics of this band that played in this Fausto release).
  • (**): former singer of Trovante: Luis Represas (Portuguese band no longer active)
  • (*2): see what is a Cavaquinho
  • (*3): about Luís Pastor: www.luispastor.com and http://attambur.com
  • (*4): learn about a Braguesa
  • (*5): about Vitorino: http://attambur.com
  • (*6): about Eugénia Melo e Castro: http://www2.uol.com.br